domingo, 1 de setembro de 2013

Festa de São Vicente | Depois da Procissão das Velas, a inauguração do Centro Pastoral

Procissão das Velas ontem à noite
Nos dias 31 de agosto e 1 de setembro, Albufeira presta homenagem a Beato Vicente, em tributo à sua obra evangelizadora por terras orientais. As festividades deste ano terão especial ênfase na inauguração do Centro Pastoral Beato Vicente de Albufeira, cerimónia que será presidida hoje, às 18h00, pelo Bispo do Algarve. Esta é uma iniciativa da Paróquia de Albufeira, com a colaboração da Câmara Municipal.
Na noite de ontem, 31 de agosto, teve lugar a Procissão de Velas com concentração desde o parque do Pingo Doce/próximo da rotunda das Minhocas, e transporte da imagem de São Vicente de Albufeira até ao novo Centro Pastoral.


Chegada da imagem ao novo Centro Pastoral
Hoje, dia 1 de setembro, as festividades iniciam às 17h30, com acolhimento ao Bispo do Algarve, autoridades e convidados, no átrio do novo Centro Pastoral.

Meia hora depois, tem lugar a Bênção do Centro Pastoral e missa solene com crisma.

Pelas 20 horas, tem lugar um jantar partilhado, seguido de convívio animado por vários grupos da cidade.

Frei Vicente de Santo António, missionário, viajante e mártir de Albufeira
(Albufeira, 1590 – Nagasáqui, 3 de Setembro de 1632)

Em Abril de 1581, Filipe II de Espanha era aclamado rei de Portugal nas cortes expressamente reunidas para o efeito em Tomar. Encerrava-se assim um conturbado processo de sucessão dinástica, aberto pela morte de el-rei D. Sebastião em Alcácer Quibir três anos antes. Inaugurava-se a União Ibérica que se estendeu até 1640.
Um exemplo singular de múltiplos cruzamentos de fronteiras no tempo da União Ibérica é-nos fornecido pela biografia de Frei Vicente de Santo António, missionário de origem algarvia, que foi terminar os seus dias no remoto arquipélago do Japão.
Natural de Albufeira, onde nasceu em 1590, Vicente de Carvalho (nome de baptismo de Frei Vicente de Santo António), era filho de António Simões, um médico desta cidade e de Catarina Pereira, que o educaram na piedade e nos bons costumes.
Oriundo de uma família nobre, Vicente dedicou-se aos estudos na sua terra natural até aos 14 anos, idade com que partiu para Lisboa, onde estudou durante mais oito anos (de 1604 a 1612), talvez no Convento da Graça, da Ordem de Santo Agostinho, dadas as suas posteriores ligações a esta congregação religiosa. Aí experimentou as seduções da vida fácil lisboeta, como ele próprio confessa numa das suas Cartas do Japão. Aluno brilhante e dotado de qualidades de chefe, tudo para ele era fácil. Revelou-se, então, um bom cantor, músico, dextro tocador de instrumentos, conhecedor de línguas clássicas, desenhador, estudante de Medicina e esgrimista.
No entanto, foi a sua grande vocação religiosa que se sobrepôs, sobretudo após a morte de sua mãe, quando ele tinha 26 anos de idade, fazendo-o tomar a decisão de tornar-se padre. Em 1617, é ordenado sacerdote em Lisboa, aos 27 anos de idade.
Em 1619, largava do Tejo rumo a Cádis, de onde logo embarcou para o México, aí chegando no mesmo ano, após uma rápida travessia do Atlântico.
No ano de 1621, quando já se encontrava no México, ingressou na congregação espanhola da Ordem dos Agostinhos Recoletos. É difícil determinar as razões que levaram o algarvio a rumar ao Novo Mundo, uma vez que os agostinhos desenvolviam atividades missionárias em variadas regiões do litoral da Ásia desde 1572, sob o beneplácito do Padroado lusitano. Para um missionário português, teria sido mais lógico embarcar em Lisboa na carreira da Índia, em direção a algum dos estabelecimentos orientais mantidos pela coroa de Portugal. Talvez a União Ibérica tenha efetivamente facilitado a opção pelas missões americanas.
Mas o nosso algarvio pouco se demoraria em terras mexicanas. Em 1622, menos de um ano depois de ser formalmente admitido na congregação espanhola, assumindo-se missionário, largaria do porto de Acapulco com destino às Filipinas, usando já o nome de Frei Vicente de Santo António. Chegou a Manila em Julho de 1622, onde, escassos dois meses mais tarde, professa no convento agostinho de São Nicolau de Tolentino.
Em Fevereiro de 1623, na companhia de alguns outros missionários agostinhos, franciscanos e dominicanos, já deixava Manila com destino às ilhas nipónicas, onde chegou em finais do mesmo ano, depois de uma acidentada viagem com escala no litoral da China, provavelmente a bordo de uma embarcação mercantil filipina.
A situação no Japão, entretanto, conhecera profundíssimas alterações desde 1543, ano dos primeiros – e amistosos – contatos luso-japoneses. A missão jesuíta que, em finais do século XVI tinha conhecido extraordinário sucesso com a conversão de cerca de 300 mil japoneses, estava agora em completo declínio. A dinastia Tokugawa, depois de um rápido processo de unificação política, controlava praticamente todo o arquipélago desde 1603 e decretara em 1614-1616 a expulsão de todos os missionários católicos do território japonês. Embora os negócios entre os portugueses e o Japão continuassem a desenrolar-se sem problemas de maior, através das viagens anuais da grande nau de Macau, com benefícios para ambas as partes, as atividades proselíticas dos missionários europeus foram crescentemente dificultadas por sistemáticas e violentas perseguições desenvolvidas pelo poder central nipónico.
Frei Vicente chegava, portanto, ao Japão em má hora, numa época bastante conturbada, em que os seus governantes, receando a propagação do cristianismo, iniciam grandes perseguições religiosas aos cristãos.
Porém, seguindo o exemplo de muitos outros dos seus colegas missionários, desenvolveu atividades religiosas de forma clandestina, a partir do porto luso-nipónico de Nagasáqui e, segundo parece, com base no estudo apurado da língua japonesa. Os religiosos europeus, disfarçados de mercadores, procuravam dar assistência às cristandades locais, as mais das vezes em ajuntamentos noturnos e secretos.
Frei Vicente viu-se obrigado a mudar de traje e de nome, fazendo-se caixeiro ambulante pelas ruas de Nagasáqui para poder entrar nas casas e introduzir-se nas famílias, onde converte os gentios e consola e encoraja os cristãos perseguidos. Durante anos, trabalhou na catequese, pregando a Boa Nova e administrando os Sacramentos.
Mas o ambiente era cada vez mais hostil, pois as autoridades centrais nipónicas multiplicavam as prisões e as execuções de cristãos, numa deliberada política de extinção do cristianismo, pois a religião europeia era encarada como um elemento radicalmente desestruturador das tradicionais solidariedades sociais nipónicas, baseadas nobushido, um código de honra religioso que ligava o senhor aos seus vassalos.
Fugindo a essas perseguições, Frei Vicente de Santo António refugiou-se nas montanhas, onde permaneceu durante 6 anos, nunca deixando de dar catequese aos nativos.
Em finais de 1629, Frei Vicente é aprisionado na ilha de Firaxima, sendo logo de seguida transferido para Nagasáqui, juntamente com outros religiosos europeus.
Em 2 de Setembro de 1632, foi-lhe lida a seguinte mensagem: “Manda o Imperador que no lugar já preparado sejam os seis queimados vivos, se não renegarem antes a lei que pregam, se o fizerem, porém, ficam livres e serão favorecidos e honrados pelo Imperador”.
Frei Vicente recusa a apostasia (renúncia de uma fé) que lhe fora proposta pela corte imperial, juntando assim o seu destino ao de muitos outros mártires do Japão, acatando o martírio como dádiva de Deus, a 3 de Setembro de 1632. Resistiu admiravelmente a todos os tormentos e acabou queimado pelas chamas de uma fogueira nas imediações de Nagasáqui.
Nesse mesmo ano, era aberto em Macau o processo de beatificação do missionário de Albufeira, o qual só seria favoravelmente despachado quase dois séculos e meio depois.
Foi beatificado na Igreja Católica pelo Papa Pio IX a 7 de Julho de 1867.
Tornou-se padroeiro de Albufeira em 1965.
Desde então, Albufeira prostra-se diante do testemunho eloquente deste seu filho que enobreceu a fé dos seus antepassados, tendo levado até às terras longínquas do Japão a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo.
As suas Cartas provenientes do Japão revelam a grandeza de alma deste homem e deste missionário filho de Albufeira. Desde então, esta cidade nunca mais deixou de lhe prestar culto no dia do aniversário do seu martírio a 3 de Setembro. Esse dia foi durante alguns anos considerado e vivido em Albufeira como verdadeiro Feriado Municipal. Essa tradição foi retomada nos últimos anos, pelo pároco de Albufeira, Cónego José Rosa Simão, com as festas de São Vicente.
Bibliografia:
- Nuno Campos Inácio (Genealogia do Algarve)
- Rui Manuel Loureiro (O ALGARVE da antiguidade aos nossos dias, 1999)
- Adelaide Amado, Cronologia do Concelho de Albufeira. Edição do Município de Albufeira, 1995.
- Câmara Municipal de Albufeira/Arquivo Histórico/JDACT